segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Carta da rede Burger King à Santi Santamaria, renomado chef catalão

Segue uma carta de uma famosa rede de fast food e a resposta de Santi Santamaria, chef catalão


CARTA DO BURGUER KING
Prezado Santi Santamaria,
Temos o prazer de contactá-lo a fim de lhe propor um grande desafio, à altura dos mais renomados restaurateurs. O Burger King aprecia e valoriza sua arte culinária, sua habilidade criativa na hora de elaborar seus pratos e sua capacidade para fazer do comer toda uma arte, criando uma linguagem única. E são precisamente estas qualidades que o distinguem e o convertem em um dos grandes chefs do nosso país e do mundo, que nos inspiram a superar a nós mesmos. Acreditamos ter conseguido. Depois de anos de trabalho, encontramos a fórmula secreta para transformar um simples hambúrguer de frango no lanche mais delicioso que se possa imaginar. Estamos realmente orgulhosos do nosso novo hambúrguer Honey & Mustard Tendercrisp. Um hambúrguer único no mercado, com 100% de carne de peito de frango e uma combinação perfeita de ingredientes da horta murciana, rrematado com um equilibrado molho à base de mel e mostarda, tudo isso entre pãezinhos salpicados com milho, uma autêntica delícia à altura dos paladares mais exigentes. E para demonstrar que estamos totalmente orgulhosos da nossa receita única, nós o convidamos a nos superar. Perguntamo-nos se você seria capaz de criar um hambúrguer tão delicioso como o nosso, se seria capaz de superar o melhor hambúrguer de frango do mundo: o Honey & Mustard Tendercrisp. Por isso, esperamos que encare este desafio com boa vontade e com muita competitividade. Ficaremos encantados em vê-lo experimentar o nosso hambúrguer e encarar o desafio de elaborar para o grande público um hambúrguer de frango que supere o nosso.
Cordialmente,
Jesús Manuel Muñoz
Gerente de Marketing de Impacto Burger King, Espanha

RESPOSTA AO DESAFIO DO BURGER KING
Ilustre Sr. Jesús Manuel Muñoz,
Como o senhor pode comprovar, sua carta foi de grande utilidade para mim, e saiba que lhe agradeço por me ajudar a meditar sobre a situação da cozinha moderna em nossa sociedade. O senhor me ajudou a escrever este ensaio, que dou por terminado com estas últimas reflexões. Espero que tenha encontrado ao longo do livro um pensamento crítico, em resposta à complexidade dos tempos que nos toca viver, e também a tudo o que se refere à alimentação. Comemos mal, sr. Muñoz, e o senhor sabe disso, como sabem os cidadãos e cidadãs que renunciam frequentar um estabelecimento de fast food, porque seria como iniciar um processo de apagamento da memória, quando a memória é justamente o que nos ajuda a compreender quem somos, onde estamos e para onde desejamos ir. O senhor e eu vemos as coisas de modo diferente. Eu defendo que, na cozinha, é preciso passar do bom ao melhor.

No Burger King, por sua vez, promovem o passo de grande a gigante: de Big King a Big King XXL, um hambúrguer de quase mil calorias que, acompanhado das correspondentes batatas fritas e um refresco açucarado, aporta em uma única ingestão mais calorias que aquelas necessárias a um adulto em um dia inteiro. O Ministério da Saúde e do Consumo denunciou que a campanha do Big King XXL era contrária aos princípios da Estratégia para a Nutrição, Atividade Física e prevenção da Obesidade (Naos) e recordou, de passagem, que os hambúrgueres do Burger King contêm enormes quantidades de gorduras “trans”, que baixam o colesterol “bom” e aumentam o colesterol “mau” no sangue, e por isso seu uso já está legalmente proibido em cidades norte-americanas como Boston, Filadélfia e Nova York. O Burger King se manifestou sensível às “preocupações culturais e geográficas” dos países onde opera. Foi o que disseram seus escritórios de Miami depois que as autoridades da Costa Rica baniram sua publicidade por considerar que fomentava a violência e atentava contra a imagem da mulher, da moral e dos bons costumes. Mas a verdade é que, com sua política de mercado global e produtos clonados, o Burger King converte o consumidor em vítima de uma alienação que o afasta de sua terra sem sair dela. Pode ser que o senhor me tache de intolerante, fundamentalista ou dogmático. Mas não posso ser tolerante com o que está mal, e tenho a obrigação moral de denunciá-lo.

O presidente executivo mundial do Burger King, John Chidsey, declarou a The Wall Street Journal que sua empresa tem três grandes objetivos: 1. crescer, aumentando sua penetração nos setenta países nos quais o Burger King já está presente; 2. aproveitar a conjuntura da crise para comprar produtos baratos e se beneficiar do fato de as pessoas não poderem comer em restaurantes mais caros; 3. colaborar com a necessidade cada vez maior de se economizar tempo, permitindo às pessoas que comam no menor tempo possível. O sr. Chidsey não dizia se ia obedecer à solicitação dos senadores Edward Kennedy e Sherrod Brown, que em março de 2008 escreveram aos mais altos executivos do Burger King instando-os a melhorar as condições de trabalho dos funcionários que trabalhavam para eles em condições que beiravam a escravidão. Na carta que o senhor achou por bem me enviar, não havia a informação de que seus principais clientes eram jovens entre 15 e 30 anos, nem que suas campanhas publicitárias se dirigem sobretudo ao público infantil, mais sugestionável, e o qual esperam fidelizar pelo resto da vida. Isso explica sua expansão na Espanha: a inauguração de seu primeiro estabelecimento no país, na praça dos Cubos de Madri, se deu em 1975, e hoje são 493 restaurantes Burger King no país, 90% em regime de franquia.

Nossa sociedade se preocupa em lutar contra a obesidade, sobretudo a infantil. Sua empresa oferece menus hipercalóricos para crianças que odem ter seus níveis de açúcar e colesterol no sangue perigosamente aumentados. São esses os hábitos alimentares que um pai ou uma mãe desejam que seus filhos adquiram? Enfim, tenho a satisfação de anunciar-lhe que não só não aceito o desafio, como expus no início deste livro, mas, a partir de hoje, depois de ter me informado de sua história, seus produtos e sua trajetória como empresa, têm em mim um inimigo declarado. Saiba que, em nome da cozinha, penso me dedicar cada dia mais a uma pedagogia ativa em favor de uma alimentação saudável, saborosa, respeitosa com o território e em conformidade com nossas culturas mediterrâneas.
Atenciosamente,
Santi Santamaria
Cozinheiro

fonte:http://vejabrasil.abril.com.br/blog/de-origem-carioca/2009/10/a-cozinha-a-nu-de-santi-santamaria/

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